Jardinagem como terapia: benefícios para a saúde mental em diferentes contextos culturais

Introdução

Em muitas culturas ao redor do mundo, cuidar da terra vai muito além de produzir alimento. A jardinagem aparece como um gesto cotidiano que atravessa gerações, religando pessoas aos ciclos naturais, ao tempo e aos sentidos. Seja num quintal no interior da Colômbia, numa varanda em Lisboa ou num terraço comunitário em Dacar, o ato de plantar e cuidar de plantas é um elo discreto entre o corpo e o ambiente.

A relação entre natureza e saúde mental tem sido cada vez mais reconhecida em estudos contemporâneos. Estar em contato com plantas, tocar a terra, acompanhar o crescimento de uma muda — essas ações simples podem contribuir para reduzir sintomas de ansiedade, aliviar o estresse e estimular o bem-estar emocional. Para muitas pessoas, sobretudo em contextos de isolamento, vulnerabilidade ou luto, o jardim torna-se um lugar de silêncio, criação e cura.

Este artigo parte dessa premissa: a jardinagem pode ser uma forma de terapia. Ao longo do texto, vamos explorar como diferentes comunidades e culturas integram o cultivo da terra aos cuidados com a mente. A proposta é mostrar que não existe uma única forma de jardinar, mas muitas — e que todas podem ser caminhos possíveis para florescer por dentro.

Jardinagem e saúde mental: o que diz a ciência

Nos últimos anos, a ciência tem aprofundado os estudos sobre os benefícios psicológicos e emocionais da jardinagem. O que antes era valorizado como saber tradicional, passado de geração em geração, agora encontra respaldo em pesquisas que mostram como o contato com a terra pode melhorar significativamente a saúde mental.

Estudos conduzidos pela Royal Horticultural Society (RHS) no Reino Unido indicam que pessoas que se envolvem regularmente com jardinagem relatam níveis mais baixos de estresse e maior satisfação com a vida. De acordo com os dados da RHS, dedicar-se ao cultivo de plantas por apenas duas ou três vezes por semana já está associado a menores taxas de depressão e ansiedade [https://www.rhs.org.uk/advice/health-and-wellbeing].

A jardinagem também tem se mostrado eficaz no estímulo à atenção plena, o chamado mindfulness, ao exigir uma presença focada no momento presente. Observar o crescimento das plantas, regar com cuidado, notar as mudanças nas folhas e flores são formas de desacelerar o pensamento e se reconectar com o corpo e o ambiente.

O Journal of Health Psychology publicou diversos artigos que investigam como a jardinagem ativa áreas do cérebro associadas ao prazer e à regulação emocional. Um estudo com grupos comunitários em ambientes urbanos mostrou que os participantes relataram melhorias na autoestima, no humor e no senso de propósito após algumas semanas envolvidas com atividades de cultivo [https://journals.sagepub.com/home/hpq].

Em contextos de crise, como durante a pandemia de COVID-19, práticas de jardinagem doméstica ganharam destaque como estratégias acessíveis de cuidado. Plantar algo em casa se tornou, para muitas pessoas, um gesto pequeno mas poderoso de autonomia e esperança.

Esses achados reforçam a ideia de que a jardinagem pode ser uma aliada na promoção de saúde mental — não como substituta de tratamentos clínicos, mas como uma prática complementar, culturalmente rica e adaptável a diferentes contextos de vida.

Abordagens culturais da jardinagem terapêutica

Embora os benefícios da jardinagem para a saúde mental sejam amplamente reconhecidos, as formas de cultivar e cuidar da terra variam conforme o contexto cultural. Em diferentes partes do mundo, o ato de jardinar é atravessado por espiritualidade, resistência, reconstrução social e cuidado coletivo. Abaixo, exploramos cinco abordagens que mostram como o cultivo da terra pode também ser um cultivo da mente.

Japão – Shinrin-yoku e jardins zen

No Japão, a relação com a natureza é profunda e atravessada por tradições que combinam contemplação, estética e espiritualidade. O Shinrin-yoku, termo que significa “banho de floresta”, é uma prática reconhecida desde os anos 1980 pelo governo japonês como forma de reduzir o estresse e fortalecer a saúde mental. Envolve caminhadas silenciosas em florestas, prestando atenção ao som das folhas, à textura das árvores e à respiração.

Paralelamente, os jardins zen — conhecidos como karesansui — são espaços compostos por pedras, areia e vegetação minimalista. Eles não são feitos para colheita, mas para a meditação visual e sensorial. A harmonia entre vazio e forma convida à pausa e à interiorização, estimulando o foco, o silêncio interno e a redução da ansiedade.

Quênia – Agricultura urbana comunitária em Nairobi

Em Nairobi, a capital do Quênia, hortas urbanas vêm sendo mobilizadas por comunidades em situação de vulnerabilidade como uma resposta prática e simbólica aos desafios sociais. Muitos desses espaços surgiram após conflitos armados e deslocamentos internos, oferecendo não só alimento, mas também um sentido de pertencimento e reconstrução.

Projectos como o “Urban Harvest” mostram como o cultivo em pequenos lotes e jardins verticais fortalece redes comunitárias, melhora a autoestima e cria ambientes de apoio emocional. A jardinagem, nesse contexto, atua como uma forma de reconstituir a dignidade e fomentar práticas de cuidado mútuo.

Brasil – Hortas comunitárias em favelas e territórios periféricos

Nas periferias urbanas do Brasil, a jardinagem tem sido ferramenta de resistência e reorganização social. Em áreas com escasso acesso a espaços verdes e serviços públicos, coletivos como os Hortelões Urbanos, Movimento das Hortas Comunitárias e iniciativas lideradas por mulheres negras e indígenas utilizam a horticultura como uma forma de reivindicar saúde, território e autonomia.

Essas hortas são também espaços de escuta, formação e articulação política. A jardinagem comunitária torna-se, nesse sentido, uma prática terapêutica coletiva, especialmente relevante em contextos marcados por violência estrutural e desigualdade.

Reino Unido – “Green care” e programas de horticultura social

No Reino Unido, o conceito de Green Care (cuidado verde) tem sido incorporado em políticas públicas voltadas à saúde e bem-estar. Organizações como a Thrive e a Social Farms & Gardens trabalham com programas de horticultura social voltados para pessoas com depressão, ansiedade, deficiências físicas e mentais ou em situação de isolamento.

Essas iniciativas promovem sessões estruturadas de jardinagem terapêutica, acompanhadas por profissionais e voluntários, em ambientes inclusivos e acessíveis. O governo britânico tem reconhecido tais práticas como parte do modelo de social prescribing, onde profissionais de saúde encaminham pacientes para atividades comunitárias em vez de apenas medicamentos.

Índia – Jardinagem nos ashrams e nas práticas ayurvédicas

Na Índia, a relação com as plantas é profundamente espiritual. Muitos ashrams — centros de prática espiritual e retiro — mantêm jardins medicinais e hortas como parte da vida diária. A jardinagem aqui é vista não apenas como atividade física, mas como expressão de equilíbrio entre corpo, mente e ambiente.

A tradição ayurvédica, com mais de 5.000 anos, utiliza o cultivo de plantas medicinais como prática terapêutica. Cuidar de ervas como tulsi, neem e açafrão é, ao mesmo tempo, uma forma de produzir remédios naturais e de se reconectar com o ritmo da natureza, promovendo equilíbrio emocional e clareza mental.

Jardinagem acessível: adaptação para diferentes corpos e contextos 

Para que a jardinagem terapêutica seja verdadeiramente inclusiva, é fundamental que ela se adapte às múltiplas formas de estar no mundo. Corpos, idades, capacidades e contextos sociais variam — e o cultivo da terra pode e deve responder a essa diversidade. Quando se fala em acessibilidade na jardinagem, não se trata apenas de remover barreiras físicas, mas de garantir que todas as pessoas possam participar plenamente e com autonomia.

Jardinagem para pessoas com deficiência

Pessoas com deficiência física, visual, auditiva ou intelectual podem encontrar na jardinagem uma prática rica, desde que os espaços e ferramentas sejam pensados com acessibilidade. Algumas estratégias eficazes incluem:

Camas elevadas: facilitam o acesso para quem utiliza cadeiras de rodas ou tem mobilidade reduzida.

Ferramentas adaptadas: cabos maiores, alças em formato ergonômico e materiais mais leves ajudam a reduzir esforço e garantir precisão.

Sinalizações táteis ou em braille: permitem que pessoas cegas ou com baixa visão identifiquem plantas e orientações no espaço.

Ritmos flexíveis: respeitar diferentes velocidades de trabalho e formas de comunicação amplia o bem-estar e a participação ativa.

Organizações como a Thrive UK e o Accessible Gardening Project nos EUA têm desenvolvido guias e oficinas específicas para garantir que a jardinagem seja uma experiência sensorial, segura e significativa para todos.

Atividades intergeracionais

A jardinagem é uma ponte natural entre gerações. Crianças e idosos, quando envolvidos em um mesmo espaço de cultivo, trocam saberes, histórias e afetos. Essa convivência pode fortalecer vínculos familiares e comunitários, além de favorecer o aprendizado mútuo. Algumas ideias práticas incluem:

Canteiros partilhados com níveis e tarefas adaptados por faixa etária.

Jogos educativos com sementes e texturas para crianças pequenas.

Momentos de escuta e conversa enquanto se rega ou se colhe, fortalecendo relações intergeracionais.

Grupos comunitários em países como Nova Zelândia e Peru têm integrado a jardinagem em creches e centros de dia para idosos, com resultados positivos para o bem-estar emocional e a inclusão social.

Design Universal para a Aprendizagem (UDL) na jardinagem terapêutica

A abordagem do Design Universal para a Aprendizagem (UDL) propõe que atividades educativas e terapêuticas sejam planejadas desde o início para incluir o maior número possível de pessoas, sem necessidade de adaptação posterior. Aplicado à jardinagem terapêutica, isso significa:

Usar múltiplos meios de envolvimento: práticas visuais, táteis, auditivas e olfativas.

Permitir diferentes formas de participação: plantar, observar, documentar, desenhar, contar histórias ou simplesmente estar presente.

Oferecer escolhas e autonomia: cada pessoa decide como quer contribuir, respeitando seu tempo, corpo e contexto.

Adotar o UDL na jardinagem reforça o princípio de que todos têm algo a oferecer e a receber no ato de cultivar — e que um jardim acessível é, sobretudo, um espaço de partilha, cuidado e dignidade.

Como começar uma prática terapêutica de jardinagem 

Criar uma prática terapêutica de jardinagem não exige muito espaço nem equipamentos sofisticados. O mais importante é cultivar um vínculo com o processo — estar presente, observar, tocar, cuidar. Seja numa varanda, peitoril de janela ou quintal compartilhado, é possível construir um pequeno refúgio verde que apoie o bem-estar emocional e sensorial.

Dicas práticas para espaços pequenos

Quem vive em apartamentos ou casas com pouco espaço pode começar com:

Jardins de janela: pequenas caixas ou vasos com ervas aromáticas (manjericão, hortelã, alecrim) posicionadas em locais que recebem luz natural.

Varandas e sacadas: uso de jardineiras suspensas, estantes verticais ou garrafas recicladas presas em paredes.

Ambientes internos: plantas como jiboia, lavanda ou lírio-da-paz crescem bem dentro de casa e ajudam a purificar o ar.

O segredo está na adaptação. É possível reutilizar materiais, como latas e caixotes, e criar sistemas de irrigação simples com garrafas plásticas ou panos embebidos.

Escolha de plantas com efeitos sensoriais positivos

Certas plantas oferecem estímulos que podem apoiar a saúde mental:

Aromáticas: lavanda, alecrim e erva-cidreira têm propriedades calmantes e podem ser usadas em infusões ou óleos caseiros.

Texturizadas: suculentas, samambaias e plantas com folhas aveludadas favorecem o toque e a exploração sensorial.

Coloridas: flores como tagetes, gerânios e calêndulas atraem o olhar e criam uma atmosfera alegre.

O ideal é escolher espécies de fácil cultivo e que tenham alguma relação afetiva com quem vai cuidar — seja pela memória, pela fragrância ou pela aparência.

Criação de uma rotina de cuidado intencional com o espaço verde

Transformar a jardinagem em prática terapêutica requer mais do que plantar: envolve cultivar presença. Algumas estratégias incluem:

Estabelecer horários fixos de cuidado: regar de manhã cedo ou no fim da tarde, como forma de transição entre momentos do dia.

Observar com atenção plena: reparar nas mudanças diárias, anotar descobertas ou tirar fotos semanais das plantas.

Criar rituais pessoais: acender uma vela antes de começar, ouvir uma música tranquila ou dedicar o tempo de cultivo a um pensamento ou intenção.

Com o tempo, essa prática pode se tornar um momento de reconexão com o próprio corpo, com o tempo e com a possibilidade de criar algo vivo, mesmo em meio ao caos urbano.

Conclusão

A jardinagem terapêutica não é apenas uma atividade de lazer — é uma prática enraizada em múltiplas culturas, tempos e territórios, com um profundo impacto na saúde mental. Seja aliviando o estresse, melhorando o humor ou promovendo momentos de atenção plena, o ato de cuidar da terra nos reconecta com o ritmo da vida e com a possibilidade de regeneração, mesmo nos dias difíceis.

Ao longo deste artigo, vimos como diferentes comunidades no Japão, Brasil, Quênia, Índia e Reino Unido incorporam o cultivo de plantas às suas rotinas de cuidado individual e coletivo. Essa diversidade cultural não é apenas inspiradora — é também uma fonte rica de saberes sobre como viver bem em relação com o ambiente, com o outro e consigo.

Não importa se o espaço é grande ou pequeno, se as ferramentas são simples ou improvisadas: começar um jardim é sempre um gesto de esperança. É um convite à experimentação e à escuta, onde cada semente plantada pode também ser um passo no caminho do autocuidado e da reconexão com o presente.

Cultivar um espaço verde é, em muitos sentidos, cultivar saúde — com as mãos, com o corpo e com a comunidade.

Organizações internacionais ligadas à horticultura terapêutica 

Thrive (Reino Unido)

Organização que desenvolve programas de horticultura social voltados para saúde mental, deficiência e envelhecimento. Disponibiliza guias gratuitos e formação para facilitadores.

https://www.thrive.org.uk

American Horticultural Therapy Association (EUA)

Atua na promoção da horticultura terapêutica com foco em pesquisa, formação e inclusão.

https://www.ahta.org

Social Farms & Gardens (Reino Unido)

Rede que apoia hortas comunitárias, fazendas urbanas e iniciativas de green care com foco em transformação social.

https://www.farmgarden.org.uk

City Farmer (Canadá)

Iniciativa baseada em Vancouver que promove agricultura urbana e bem-estar por meio de hortas acessíveis.

https://www.cityfarmer.info

Emma Bellini

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